Este poema faz parte de meu livro A casa antiga. Fala de mudança - de cidade, de estado, de amigos, de lugares. Trata-se de um poema que eu não escreveria hoje, mas tudo a ver com este momento.
MUDANÇA
Veio o afinador e desmontou o piano.
Os sons se tornaram duras teclas
Amontoadas junto a uma parede.
(Ele era só o afinador).
No esqueleto à mostra,
cordas de metal vibrando ao toque mínimo
e uma profusão de cores de feltro.
Portas se abriram dos lados, da frente,
e se encostaram junto a uma parede.
(O afinador prometeu e foi embora,
deixando seu concerto inacabado).
Havia um condicional naquelas teclas.
Tudo aquilo era provisório.
Mas senti que o piano ia se mudar,
encaixotado,
nu,
para Onde-Não-Sei,
lugar-nenhum, vida provisória,
levando aos trambolhões minha vida inteira
num caminhão de sonhos transferidos.
(O afinador cumpria seu ofício).
Só o piano, mudo,
ficou em mim.
E há um outro que, indiretamente, também fala de mudança.
A FRETE
Ora essa, há um caminhão em minha rua,
parado sob a chuva como um brinquedo antigo.
Abriga algumas caixas velhas.
Na cabine vermelha está escrito AFRETE, assim mesmo, em letras tortas
e os paralamas são pretos - deve ser Flamengo o meu caminhão,
jogado como um borrão de tinta na rua imprecisa.
A carroceria é verde-amarela e também está a frete,
assim como os homens que o conduzem.
Vêm agora três deles, entram na cabine e se divertem,
ligando o motor. E lá vai meu caminhão,
carregando pela chuva seus homenzinhos sem cor,
lá vai!
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