Tradução

"O meticuloso exercício da escrita pode ser a nossa salvação" (Isabel Allende, em Paula)

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Máquina zero

      Justiça seja feita: a nova equipe terceirizada que poda as árvores da cidade e arranha os canteiros com máquina zero, deixando-os literalmente raspados, é super-eficiente. A equipe anterior, talvez por já estar em final de mandato, já não estava dando conta do recado: um mato viçoso tomava conta das margens de estradas e dos canteiros das ruas e praças e o capim colonião crescia à vontade, deixando os bairros com um ar desmazelado. Essa gente nova corta o mato tão rente que a raspagem dura semanas e semanas. Que bom! A cidade ganhou um ar mais limpo e arrumado. Mas não precisava exagerar.
     O pessoal estava espalhado pelos canteiros junto à ponte amarela, na beira-rio, decepando com fúria, a serra e facão, grossos galhos das árvores no gramado adjacente. Não, os galhos não estavam "prejudicando a fiação elétrica", a desculpa usual. Não havia nenhum poste à vista naquele local da beira-rio. Sob o céu azul, somente o toque lento do vento nas folhas das árvores. E no entanto... lá se iam os galhos, um a um, caindo desnecessária e desastradamente. A. e eu caminhávamos de mãos dadas pela calçada, quando chamei a atenção dele para a equipe. Eu avancei, num gesto impulsivo, ignorando seu protesto:
      - Deixa pra lá, você não vai falar com eles...
      Mas eu já o deixara para trás, falando sozinho.
      - Desculpem, por que vocês estão fazendo isso?
      - É a poda, disse um.
      - Mas não veem que estão matando as árvores?
      Eles pararam o trabalho.
      - Nós temos ordens pra fazer a poda.
     -  Mas essas podas sem necessidade tiram a força das plantas!.
       Eles se entreolharam.  
       - Foi o engenheiro quem deu ordem para podar, pra planta ficar mais forte. Ele deve saber o que está fazendo, estudou pra isso, disse outro.
       - É o contrário. Isso enfraquece as plantas, elas acabem definhando e morrendo. Quatro podas em dois meses...isso não é necessário, é um exagero...
      - Então a senhora vai lá e fala com o engenheiro... ele sabe o que está fazendo!
      Perdi a paciência, que já não era muita.
      - Engenheiro? E quando é que um engenheiro entende de meio ambiente?
      A. me puxou pelo braço.  Concordei: como eles apenas obedeciam a ordens, estavam cobertos de razão.
   

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