Tradução

"O meticuloso exercício da escrita pode ser a nossa salvação" (Isabel Allende, em Paula)

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Limpeza

      M. chegou pontualmente às 9 horas. Eu comprara desinfetantes, vassoura ecológica (aquela de cerdas plásticas coloridas, acho eu que feitas de garrafas pet recicladas), panos-de-chão brancos e quadriculados (invenção moderna), esponjas, sabão em pó, palha-de-aço, água sanitária. É incrível a quantidade de coisas que as meninas da faxina precisam para limpar uma casa. M. é baixinha, cabelos escuros ligeiramente ondulados, cerca de 40 anos. Eu havia, como sempre, acrescentado ao kit limpeza um par de luvas de borracha e disse que ela as usasse, pois havia notado, da última faxina, que ela manipulava água sanitária e desinfetantes com as mãos desprotegidas. Já havia comentado sobre a toxicidade desse produtos, mas ela só balançava a cabeça, concordando.  Ao que eu saiba, jamais calçou as luvas.
      Isso vem rolando desde a primeira vez em que a contratei, há cerca de um ano. M. resolveu começar a limpeza pelo banheiro de cima. Cerca de meia hora depois, subi as escadas para ver como ia o trabalho. Encontrei a porta fechada e um barulhão de faxina lá dentro. Bati à porta. Assim que ela a abriu, um cheiro fortíssimo de desinfetante - daqueles que prometem acabar com o mofo e, de quebra, acabam com você também - invadiu-me as narinas. M. estivera esfregando os azulejos sem luvas, os pés descalços, mergulhados na água que escorria das paredes e, claro, no meio de uma espuma de desinfetante. Fez uma careta.
      - Estou até tonta. Isso aqui é muito forte!    
      - Cadê as luvas?
      - Não precisa. É rapidinho!
      Foi um sermão inútil. Ela alegou que,  de luvas, as coisas escorregavam de suas mãos. Perguntei se costumava trabalhar sempre assim. Disse, mais uma vez, que os produtos de limpeza trazem instruções de uso, já que são extremamente tóxicos e podem causar prejuízos irremediáveis  à saúde. Recomendei expressamente que calçasse as luvas. Como me olhasse com um ar cético, repeti a deixa  por mais duas vezes. Não disse sim nem não, mesmo quando informei que aquilo era cancerígeno. Voltei para casa, para começar a embrulhar algumas coisas da mudança e aguardar as quentinhas do almoço que A. traria para nós. No meio da tarde, voltei à casa nova. A porta do banheiro do piso superior estava fechada (meu Deus, será que pelo menos ela não podia deixar uma abertura para arejar o ambiente? ). Bati e ela abriu, esbaforida, sem luvas e descalça. Pela abertura da porta saía  um cheiro concentrado que daria para matar um elefante.
      -E as luvas?
      Ela sorriu. Não havia acreditado em uma só palavra do que eu dizia. No dia anterior, eu tinha, para adiantar as coisas, tentado esfregar as manchas de verniz do piso da sala com tíner. Um pavor, o cheiro é de bambear qualquer um. Funcionava, mas achei melhor voltar à velha e boa aguarrás - que, aqui pra nós, não fica atrás em matéria de cheiro. Temo passar-lhe o serviço, já sabendo que ela vai se impregnar daquilo até os ossos, e eu não quero ser responsável por sequelas na saúde de ninguém. Quanto às luvas, desisti. Finalmente, metade do trabalho - o piso superior, composto de dois quartos, suíte, saleta e banheiro - ficou pronto às 18 horas. O andar de baixo teve de ficar para a próxima quinta-feira, porque M. agora está "trabalhando fixo" em uma residência ou pousada, não sei bem.  E sua folga é às quintas-feiras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário