Tradução

"O meticuloso exercício da escrita pode ser a nossa salvação" (Isabel Allende, em Paula)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Estrada Parque

      Chego a sentir de antemão o frescor da mata virgem e o cheiro úmido das folhas das árvores, às margens da estrada Paraty-Cunha, que, finalmente, começou a ser pavimentada, após 25 anos de embargos ambientais. Sob um novo nome, Estrada Parque Paraty-Cunha, vai ser um espetáculo: passagens subterrâneas para os animais, mirantes e paisagens de tirar o fôlego... Para quem não conhece, trata-se da extensão rodoviária da SP-171 no Estado do Rio, parte da RJ-165, que atravessa o coração da mata virgem entre os estados do Rio e de São Paulo, através do Parque Nacional da Serra da Bocaina - aquela maravilhosa folhagem verde-escura que eu admiro todos os dias pela janela do meu quarto, inacessível e ao mesmo tempo tão próxima.
      O que se temia é que o aumento do fluxo de veículos trouxesse danos irreparáveis ao parque. Quando chegamos a Paraty, há dois anos e meio, as discussões pró e contra a pavimentação estavam no auge. Durante todo esse tempo, porém, pelo menos uma pessoa nunca perdeu as esperanças de vê-la pavimentada: Antônio Conti, um vigoroso senhor de 83 anos, que mantém uma coluna em um jornal  da cidade (do qual é proprietário), numa campanha contínua pela pavimentação. Foi nesse clima que conhecemos essa figura emblemática da cidade, um verdadeiro pioneiro dessa luta há nada menos que 63 anos (!). Até então, por seus artigos no jornal, eu o considerava - por não conhecê-lo - uma espécie de Dom Quixote, lutando contra moinhos de vento.
       O conhecimento foi casual. Tenho o hábito pouco comum de usar sombrinha para me proteger do sol, em vez de protetor solar. Nesse dia, caminhando pela calçada da Av. Roberto Silveira, num dia de sol, passamos próximo a um banco, onde estava sentado um casal. Ele foi  o primeiro a comentar, com simpatia, minha sombrinha (em Paraty é assim mesmo, as pessoas se comunicam sem muitas delongas, sem pedir licença nem nada, e esse é um dos encantos da cidade):
       - Minha filha também só anda de sombrinha. Muita gente não gosta, ela é criticada por isso, mas não liga. Acho uma boa ideia.
     Paramos por alguns instantes para responder a essa inesperada interpelação (sou mais tímida, mas A. não perde ocasião para uma boa conversa). Ele quis saber quem éramos e há quanto tempo estávamos em Paraty - eu disse que era de Niterói e jornalista e ele revelou também ser do ramo - comendador Antônio Conti, colunista e proprietário de um jornal da cidade e "defensor da estrada Paraty-Cunha", em suas próprias palavras. Reconheci-o pela foto que encima sua coluna no jornal. Achamo-los educados, senti que não os tivéssemos encontrado mais. Alguns meses mais tarde,  começaram a circular as primeiras notícias de que, afinal, a licença para a pavimentação havia sido concedida.
      Apenas o trecho que atravessa a reserva ambiental, de 9,4 km, não era pavimentado. Antiga via de acesso dos índios guaianases, depois rota de tropeiros e do tráfico de escravos, a  estrada faz parte do Caminho do Ouro e, modernamente, liga a Costa Verde e o Vale do Paraíba paulista, além de ser importante rota de fuga em caso de acidente na usina nuclear Angra 1. História comprida essa, que rola desde 1954, quando foi feito um acordo entre RJ e SP para que fosse feita a pavimentação, de Guaratinguetá a Paraty. O acordo foi cumprido apenas em parte, por São Paulo, e assim mesmo só em 1984. Na vez do RJ, começaram os embargos.
      Aberta na mata, sinuosa, estreita e íngreme, com precipícios serra abaixo, a estrada de terra batida tem em suas margens pousadas e casas simples, servidas por uma linha de ônibus (!).Conheci um pequeno trecho dela, quando a ideia de vir morar em Paraty era apenas um embrião. Frequentávamos a Flip todos os anos. Um amigo de A. nos levou de carro a um restaurante italiano chamado Villa Verde, a 6,5 km do centro da cidade, às margens da Paraty-Cunha. Boas massas artesanais e uma paisagem exuberante, às margens de um rio, fizeram com que voltássemos ao local uma vez mais, em grupo familiar, muitos meses depois. Voltaria novamente, ainda mais quando estiver totalmente recoberta por blocos de concreto (que inibirão eventuais excessos de velocidade). A previsão é de que esteja pronta até o final de 2014. Boa notícia para este ano!

Nenhum comentário:

Postar um comentário