Pavão

      Os dias, aqui, não o são no sentido estrito do termo. São acontecimentos, ou não-acontecimentos, como se queira. Vida que rola. Têm a cara do pavão de metal que comprei quase um ano atrás, em Niterói. Talvez na Rua Moreira César. Difícil de segurar, de carregar, todo feito de finas rebarbas de metal, com quase meio metro de comprimento, uma cauda como só os pavões sabem ter, pés minúsculos mal suportando o peso do corpo metálico. Quando o vi, gostei, achei diferente, ou quem sabe me identifiquei com seu corpo estratificado, desemocionado, cheio de medo? Minha irmã olhou para o pavão com ar de dúvida:
      - Não gostei.
      Como não podia trazê-lo aquele mesmo dia para Paraty, decidi deixá-lo na casa dela, em São Francisco. Ela também estava se mudando, na época, de volta a sua antiga casa em Maria Paula, e os caixotes e móveis espalhavam-se desordenadamente pelo chão do apartamento. O pavão de metal ficou lá, reinando no meio dos trastes, embrulhado em plástico-bolha, irreconhecível em sua pavonice. Ainda na dúvida sobre sua beleza - aquilo era bonito mesmo, ou ligeiramente brega, ou ambos? - não dei ouvidos a ela. Ficou por lá uns seis meses, enquanto a mudança não se resolvia, até que ela me intimou a trazê-lo para Paraty. Trouxe-o no ônibus, com todo o cuidado para não amassar suas lindas penas de metal. Rolou lá pelo chalé durante algum tempo, até que hoje me decidi - iria levá-lo para o condomínio novo. Foi o primeiro objeto, algo simbólico, a sair da casa velha para a casa nova.
      Foi para o andar de cima, que já está limpo, para a saleta, onde deverá reinar com seu silêncio, como o guardião do tempo que eu nomeei. Está lá no chão, vigiando com suas unhas afiadas o ambiente escuro. Outros objetos o acompanharão em breve. À tarde, também levei um vaso do Vietnam, algo surreal, parece-me que feito de bambu, e dois alteres de ferro azul, que foram dentro dele. Minha mudança começou! Sem caminhãozinho a frete, por enquanto. Mas ele também será contratado, um dia.