Tradução

"O meticuloso exercício da escrita pode ser a nossa salvação" (Isabel Allende, em Paula)

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Campos e relembranças

      Fomos ao Rio na segunda-feira passada, mas o destino era a cidade de Campos, aqui no Estado do Rio mesmo. Eu tencionava fazer uma pesquisa no Arquivo Público Municipal, sobre o distrito de Tocos na década de 20 ou 30, onde moraram os pais de Telma (mãe do A.), uma figura insólita para a época em que viveu e que conseguiu, de menina pobre moradora do morro do Cubango, em Niterói, tornar-se uma mulher avançada para sua época, uma espécie de socialite local, recebendo em casa governador de /estado, jornalistas e artistas e frequentando o Cassino Icaraí. Em Campos, ficamos no Palace, o mesmo hotel da vez anterior. De lá, pegamos um táxi para ir até Tocos. O Arquivo fica num prédio do século XVIII, sede do antigo Solar dos Jesuítas e com um ligeiro aspecto de abandono.
      Um senhor na entrada do prédio, que me pareceu um funcionário, disse que eu ali não encontraria "nada, só jornais velhos e ossadas". Não disse isso rindo, mas só podia ser brincadeira. Entramos e fomos atendidos por uma jovem gentilíssima, mas tão tímida que mal levantava os olhos para falar, num tom de voz quase inaudível. Precisei insistir para ver a biblioteca onde, segundo ela, não haveria nada que me interessasse, referentemente ao distrito de Tocos. Subimos uma escada de madeira muito antiga. No topo, à esquerda, ficava a pequena biblioteca, que me pareceu mais para uso escolar do que para outra coisa. Pedi para ver os jornais da época e a muito custo ela trouxe um conjunto de jornais da década de 30, amarelados pelo tempo e presos a uma estaca de madeira.
      Sentada a uma mesa de uma sala contígua, foi com reverência que abri aquelas páginas ancestrais, temendo rasgá-las num gesto impensado. Foi o que aconteceu - fiz um belo rasgo de 10 cm em uma delas. Arrasada, desculpei-me, mas a funcionária mal me ouviu. Sem dúvida, rasgar folhas de jornais antigos, ali, não tinha o mesmo valor intrínseco que eu lhe atribuía. Envergonhada, apesar de tudo, desisti - felizmente, o conteúdo não me interessava. O passo seguinte era a biblioteca. Foi com relutância que ela me levou até lá, dizendo de saída que provavelmente eu não encontraria lá nada que me interessasses. Precisei insistir para ver os livros - ah, acho que tenho uns dois ou três sobre a história de Campos, ela admitiu. Voltou trazendo apenas um. A meu pedido, vieram os outros dois. Anotei seus títulos e ia sair, quando ela trouxe um volume maior, de capa dura. Esse, sobre a Campos do século XVIII, com ênfase nas raízes indígenas da região, estava à venda. Comprei.
      Voltamos ao hotel. Campos dos Goytacazes é uma cidade ampla, com uma bonita beira-rio, mas, como quase todas as cidades brasileiras, carece de atrativos. Não por culpa de seus moradores. Não existe, no Brasil, a cultura da preservação, dos cuidados constantes, da manutenção que enfeita de plantas e flores as ruas, que tapa os buracos, põe cortininhas nas janelas das casas, cuida dos jardins, torna o visual municipal agradável aos olhos. A exceção são as cidades mais ao sul do País, como algumas do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul ...  Quem pensa que cuidar da beleza das cidades é "maquiagem", sob o argumento de que é mais importante construir escolas, hospitais e cuidar da segurança e dos transportes, vê apenas um lado da questão. Uma coisa não exclui a outra.

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