Tradução

"O meticuloso exercício da escrita pode ser a nossa salvação" (Isabel Allende, em Paula)

terça-feira, 10 de junho de 2014

Want to eat

      - I want to eat!
      A frase, solta no meio da tarde no Centro Histórico, soou como um disco arranhado aos nossos ouvidos. Pudera: quem a proferira fora um indiozinho guarani entre seis e oito anos (nunca se sabe a idade certa, eles são miúdos de porte), que a jogou para cima de dois parrudos senhores que palmilhavam as pedras da Rua do Comércio, olhando para todos os lados com curiosidade gringa. Como assim, eu quero comer, mas, em inglês? Desde quando indiozinhos guarani pedem comida em inglês? Pessoalmente, penso que eles não queriam eat coisa nenhuma. O que eles gostam mesmo de fazer com as moedas que ganham nas ruas é: 1) ir à lan house acessar a internet e 2) lambuzar-se de sorvetes na sorveteria da Av. Roberto Silveira. Como eu já vi, várias vezes.
     Esses indiozinhos, na verdade, não param de me surpreender. Remanescentes dos verdadeiros donos desta terra de ninguém, onde cada um faz o que quer, eles são os grandes esquecidos de nosso país. Ao lado dos movimentos de consciência negra, deveria haver também um movimento de consciência indígena. As vozes negras já se alteiam o suficiente em protesto, para pelo menos começarem a ser ouvidas. Nossos índios, não. São os grandes esquecidos da mídia, dos movimentos sociais, das organizações de direitos humanos. Não me falem dos poucos momentos em que ganham as manchetes, como ocorreu na invasão da Câmara dos Deputados, da Uerj ou de Belo Monte. Esses rompantes de revolta, pelo que sei, até hoje resultaram em nada.
       Falo do dia-a-dia, do indivíduo, do ser humano que não tem cotas raciais nas universidades (por falar nisso, eles são incluídos na lei das cotas? quem souber me informe); que não tem escolas onde tenham os mesmos direitos que os demais, mas em que sua cultura seja respeitada e preservada. Infelizmente, falta-lhes a base necessária para começarem, eles mesmos, esse movimento. Os primeiros habitantes do Brasil, legítimos donos desta terra e autênticos brasileiros que são, merecem respeito, carinho, cuidado e atenção. E, sobretudo, educação de qualidade. Mas esse é um tipo de miragem que eu já desisti de esperar.
   

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