Tradução

"O meticuloso exercício da escrita pode ser a nossa salvação" (Isabel Allende, em Paula)

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Não deu

      Minha irmã Celinha vem com uma amiga no sábado. Voltam no domingo. A jovem que iria fazer a faxina lá em casa (é a mulher do zelador) decidiu, sem avisar, fazer mais um no show, na cadeia interminável daquilo que é como eu chamo o hábito de marcar compromissos e não aparecer, sem nenhum aviso ou explicação. Se você comenta algo, dão a explicação mais estapafúrdia possível. R. já trabalhou para mim uma vez, e fez a mesma coisa por duas vezes (sem avisar, é claro). O marido disse, na primeira vez, que ela "estava no ponto do ônibus, mas não passava ônibus nenhum".  Da segunda, disse simplesmente que "não deu". Agora, após comprar os produtos necessários, remanejar horários para ficar em casa até que ela terminasse o trabalho e deixar de ir a Angra com A. para esperá-la, eu ainda me espantei com esse anticlímax, apesar de ter comentado, por volta de oito horas da manhã, com A.:
      - Alguma coisa me diz que ela não vem..
      O mais cruel de tudo isso é que parece ser algo cultural, talvez uma característica das pequenas cidades, onde tudo corre mais lentamente e as pessoas não são tão estressadas como as da cidade grande. Sendo assim, nem reclamar parece adequado. Eles usam aquele aquele tom de voz baixo, aquele olhar doce, "não deu...". E você, uma adventícia, com um olho em terra de cego, não vai mudar as coisas. Em vez de perguntar as razões da ausência - reclamar, nunca! - decidi usar de fair play. Já haviam se passado duas horas do horário em que ela deveria ter chegado, e não fazia mais sentido deixarmos de sair e cuidar da vida. Portanto, saímos de casa e, no portão do condomínio, encontramos o J., o zelador, marido da faxineira sumida. Ele nada disse ao nos ver passar. Dei bom dia.
      - Não deu, né?, indaguei, abrindo o melhor dos sorrisos.
      - Pois é, não deu, dona N.... Ela está com aquelas coisas de mulher, sabe como é, né? Não deu pra vir... Mas ela pediu para a senhora marcar um outro dia, segunda-feira...
      É, né? Para ela não aparecer de novo? Sem avisar? A desculpa "daquelas coisas de mulher", daqueles dias, é óbvio que não me impressionou. É tão estapafúrdia quanto qualquer outra. "Aqueles dias" fazem parte do calendário pessoal de toda mulher na idade fértil e sempre têm data marcada para chegar. E, se ela sabia quando viriam aqueles dias, não deveria ter marcado a faxina nessa data. Jurei que não a chamaria de novo, mas hoje em dia tenho o coração amaciado. Concordei com a nova data, e seja o que deus quiser. O único problema é que eu contava com ela para dar um jeito na casa, entupida de mudança, para a chegada dos hóspedes. E agora, no último dia, vou ter de fazer tudo sozinha (nada contra, só que eu tenho 70 anos)!
      Perplexa, imagino um estudo sociológico pesquisando as razões desse comportamento, que absolutamente não leva em conta as necessidades (e direitos) de um cliente. Comentei com A. que deve ser uma vingança dos deuses, ou melhor, um chega-pra-lá nos bacanas, uma sacanagem bem colocada, uma mentirinha branca, só para ter o prazer de deixar na mão as intrometidas madames (em tempo, nada mais longe de madame do que eu, inclusive nunca tive uma só empregada durante toda a minha vida) que as obrigam a limpar banheiros, esfregar a pia da cozinha e aspirar o sofá.
     

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