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"O meticuloso exercício da escrita pode ser a nossa salvação" (Isabel Allende, em Paula)

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Millôr e o cinto de segurança

      As chuvas voltaram a cair sobre Paraty, com aquela uniformidade que evidencia a chegada do inverno. A Flip (Festa Literária Internacional) já se anuncia, pinçando de algum lugar o nome de Millôr Fernandes como o homenageado do ano. Li no Globo (Caderno Prosa e Verso) extensa matéria sobre o homenageado. Costumamos armazenar na mente estereótipos sobre pessoas e lugares (parece que precisamos disso para nos sentir seguros, fulano é isto, sicrano é aquilo), talvez como uma forma de defesa contra o desconhecido. Eu guardara uma dessas sobre o Millôr. Para mim, apesar de ser um humorista, era irascível, mal-humorado (isso acontece com muitos deles, que no fundo são grandes depressivos) e um tanto ou quanto arrogante. Essa imagem só piorou quando iniciou, em sua coluna diária no extinto Jornal do Brasil, uma campanha contra o uso do cinto de segurança (que na época ainda não era obrigatório).
      Para Millôr, cinto de segurança (que comprovadamente já salvou milhares de vidas após sua adoção obrigatória) só servia para dificultar a saída  do carro em caso de acidente. Hipoteticamente, os passageiros dos bancos da frente morreriam afogados caso o carro caísse em um rio ou canal. Ou não conseguiriam abrir o fecho do cinto, numa eventual colisão, porque ele enguiçaria irreversivelmente. Hoje já se sabe, estatisticamente, que o número de vidas salvas por seu uso ultrapassa muitas e muitas vezes o número dos que, hipoteticamente, morreriam por não conseguir abri-lo a tempo. Como sempre fui a favor da adoção do acessório, antipatizei-me ainda mais com Millôr.
      Coincidentemente, algum tempo depois de expressar com frequência sua opinião sobre o assunto (não sei precisar quanto, se meses ou um ano), Millôr perdeu sua coluna no JB. Não sei se essa opinião, a meu ver desastradamente veiculada  (embora fosse um direito seu), teria desagradado a direção do jornal e influenciado em sua saída. De qualquer maneira, a matéria do Prosa e Verso mostrou-me uma dimensão maior de sua estatura como intelectual. Tratava-se de figura cultíssima, para dizer a verdade. Posso apreciá-lo um pouco mais, idiossincrasias à parte.

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